domingo, 15 de janeiro de 2012

Lei ou Graça (parte 2)

"1 Ó INSENSATOS gálatas! Quem vos fascinou para não obedecerdes à verdade, a vós, perante os olhos de quem Jesus Cristo foi evidenciado, crucificado, entre vós? 2 Só quisera saber isto de vós: recebestes o Espírito pelas obras da lei ou pela pregação da fé? 3 Sois vós tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, acabeis agora pela carne? 4 Será em vão que tenhais padecido tanto? Se é que isso também foi em vão. 5 Aquele, pois, que vos dá o Espírito, e que opera maravilhas entre vós, fá-lo pelas obras da lei, ou pela pregação da fé?"
(Gálatas 3.1-6).

Antes de continuar com este importante assunto, quero aqui declarar que o meu objetivo não é criticar ou atacar aqueles que pensam diferente do que aqui exponho. Não mesmo! O meu único objetivo é - não atacar a Lei de Moisés, pela qual tenho o maior respeito - mas fazer a defesa da Graça que foi revelada em Jesus Cristo. E é com este único objetivo que esta mensagem é postada.

Quando examinamos a história do povo de Israel, percebemos que tanto sua religião, como a tradição dos antigos e seus usos e costumes - estão profundamente interligados com a Lei de Moisés; seja em seu aspecto substantivo, seja em seu aspecto adjetivo. Portanto, será inadmissível pensar em Israel (sua religião, nação e tradição) sem que se veja a Lei de Moisés como seu fundamento. Na verdade, fica claro em uma exegese fiel do Antigo Testamento, que os aspectos cerimoniais e morais estavam definitivamente ligados à lei e ao testemunho hebreu.

No entanto, se atentarmos para o modo como a Lei era interpretada e aplicada, tanto no desenvolvimento da nação como nos dias de Cristo, vamos perceber que o componente mais importante da lei - o qual deveria dar sentido a mesma - esteve sempre ausente: A espiritualidade; ou, o sentido espiritual em que ela se constituía em sua essência.

Esta foi a principal razão dos desvios de finalidade que marcaram profundamente a história de Israel ao longo dos séculos. E  muitos sacerdotes e profetas perderam suas vidas, por advertir os governantes e os sacerdotes quanto a esse desvio. Mais tarde Jesus lança em rosto dos doutores da lei, o triste fato de seus pais terem torturado e eliminado os profetas; cuja memória eles agora aclamavam.

E esta deve ter sido também a razão principal da intolerância transformada em ódio - tanto dos sacerdotes como dos doutores da lei - contra Jesus. Na verdade, Jesus só granjeou alguma simpatia desta classe quando, durante a sua adolescência, os impressionou com o conhecimento da lei que demonstrava ter. No entanto, a interpretação que lhe dava jamais fora vista com bons olhos pelos mesmos. E quando ele conceituou a lei, dando-lhe uma nova interpretação - mostrando o verdadeiro modo de praticá-la - granjeou inimigos mortais entre aqueles que se julgavam os seus guardiães.

Outro detalhe interessante encontrado na lei de Moisés, é o modo como o judaísmo dá destaque aos quatro elementos mais influentes na tradição religiosa e cultural dos judeus nos dias de Jesus: A exclusividade, o dízimo, a circuncisão e o sábado. E quando o Mestre procurou demonstrar-lhes o verdadeiro sentido destes quatro elementos, acabou atraindo para si a fúria daqueles que mais deveriam admirar e exaltar o seu ministério. E podemos ver isso com clareza - item por item - como se segue:

A questão da exclusividade

Realmente, os judeus, por ocasião da vinda de Jesus, viam a humanidade dividida entre judeus e gentios, considerando-se superiores a qualquer outro povo por se julgarem como povo exclusivo de Deus. No entanto, na parábola do fariseu e do publicano, Jesus demonstra que Deus não vê o ser humano como os judeus o viam, através da lente da Lei e da tradição eivada de preconceito:

"9 E disse também esta parábola a uns que confiavam em si mesmos, crendo que eram justos, e desprezavam os outros: 10 Dois homens subiram ao templo, para orar; um, fariseu, e o outro, publicano. 11 O fariseu, estando em pé, orava consigo desta maneira: Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros; nem ainda como este publicano. 12 Jejuo duas vezes na semana, e dou os dízimos de tudo quanto possuo. 13 O publicano, porém, estando em pé, de longe, nem ainda queria levantar os olhos ao céu, mas batia no peito, dizendo: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador! 14 Digo-vos que este desceu justificado para sua casa, e não aquele; porque qualquer que a si mesmo se exalta será humilhado, e qualquer que a si mesmo se humilha será exaltado"
(Lucas 18.9-14).

Ao combater as atitudes preconceituosas e exclusivistas dos judeus, o Apóstolo Paulo lança em seu rosto o fato de que - mesmo utilizando a lei como fundamento para o seu preconceito - eles nunca foram capazes de cumpri-la integralmente:

"17 Eis que tu que tens por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus; 18 E sabes a sua vontade e aprovas as coisas excelentes, sendo instruído por lei; 19 E confias que és guia dos cegos, luz dos que estão em trevas, 20 Instrutor dos néscios, mestre de crianças, que tens a forma da ciência e da verdade na lei; 21 Tu, pois, que ensinas a outro, não te ensinas a ti mesmo? Tu, que pregas que não se deve furtar, furtas? 22 Tu, que dizes que não se deve adulterar, adulteras? Tu, que abominas os ídolos, cometes sacrilégio? 23 Tu, que te glorias na lei, desonras a Deus pela transgressão da lei? 24 Porque, como está escrito, o nome de Deus é blasfemado entre os gentios por causa de vós"
(Romanos 2.17-24).

A questão do dízimo

Os líderes judeus tinham por costume, mesmo quando oravam, conferir a si mesmos uma espécie de atestado de fidelidade e autenticidade - alegando, inclusive, darem o dízimo de tudo. No entanto, Jesus adverte os escribas e fariseus - acusando-os de desprezar aquilo que era mais importante na lei: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dizimais a hortelã, o endro e o cominho, e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas, e não omitir aquelas" (Mateus 23:23).

Neste texto, fica patente o legalismo que caracterizava o seu modo de verem as coisas, mesmo sob o foco da lei que tanto exaltavam. Os assuntos relacionados com o "espirito da lei" não eram levados em conta por eles. E justamente por falta de uma visão espiritual da lei, as maiores injustiças eram cometidas contra o próximo - tanto em nome da lei como em nome do próprio Deus!

A questão da circuncisão

No tocante a circuncisão, Jesus declara que esta prática fora por Moisés incorporada na lei - herdada da tradição dos pais. "Pelo motivo de que Moisés vos deu a circuncisão (não que fosse de Moisés, mas dos pais), no sábado circuncidais um homem. Se o homem recebe a circuncisão no sábado, para que a lei de Moisés não seja quebrantada, indignais-vos contra mim, porque no sábado curei de todo um homem?" (João 7:22-23).

Portanto, o que Jesus denuncia é que, para cumprir os dias determinados na lei para que um menino fosse circuncidado - no caso desse dia coincidir com o sábado - os sacerdotes praticavam no sábado uma atividade que o violava. Na verdade, Jesus procurava mostra-lhes, deste modo, que o ato de curar de um enfermo - pelo bem que lhe causava - justificava de igual modo a violação do sábado.

Com o trabalho realizado pela Igreja Primitiva, muitos líderes judeus se converteram a Cristo. Todavia, dentre eles, haviam aqueles que eram ferrenhos defensores do cumprimento da Lei de Moisés pelos gentios convertidos: "ENTÃO alguns que tinham descido da Judéia ensinavam assim os irmãos: Se não vos circuncidardes conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos" (Atos 15.1). Estes cristãos judaizantes procuravam ir após os pregadores do evangelho, para convencer os novos crentes que, além de aceitar a Cristo, era necessário guardar a Lei de Moisés.

O Apóstolo Paulo sofreu sérios ataques desses obreiros cristãos que tentavam a todo custo impor a circuncisão. Ele, inclusive, os chama de maus obreiros: "Guardai-vos dos cães, guardai-vos dos maus obreiros, guardai-vos da circuncisão; porque a circuncisão somos nós, que servimos a Deus em espírito, e nos gloriamos em Jesus Cristo, e não confiamos na carne" (Filipenses 3:2-3). E conclama os cristãos gentios a não se deixarem circuncidar; afirmando que aqueles que servem a Deus em espirito é que são os verdadeiros circuncidados.

E na epístola aos Gálatas, na qual ele repudia com severidade a tentativa dos obreiros judaizantes de impor a observância da Lei de Moisés aos crentes gentios, ele demonstra que o importante não é ser circuncidado; e sim, viver, em Cristo, a fé que opera pelo amor: "Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor" (Gálatas 5:6).


Na epístola ao Romanos, o mesmo apóstolo indica qual é a verdadeira circuncisão: "25 Porque a circuncisão é, na verdade, proveitosa, se tu guardares a lei; mas, se tu és transgressor da lei, a tua circuncisão se torna em incircuncisão. 26 Se, pois, a incircuncisão guardar os preceitos da lei, porventura a incircuncisão não será reputada como circuncisão? 27 E a incircuncisão que por natureza o é, se cumpre a lei, não te julgará porventura a ti, que pela letra e circuncisão és transgressor da lei? 28 Porque não é judeu o que o é exteriormente, nem é circuncisão a que o é exteriormente na carne. 29 Mas é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra; cujo louvor não provém dos homens, mas de Deus" (Romanos 2.25-29).

A questão do sábado

Sendo os discípulos interpelados pelos fariseus por colherem espigas em dia de sábado, Jesus reprovou o legalismo daqueles que se julgavam únicos intérpretes e guardiães da Lei: "1 E aconteceu que, no sábado segundo-primeiro, passou pelas searas, e os seus discípulos iam arrancando espigas e, esfregando-as com as mãos, as comiam. 2 E alguns dos fariseus lhes disseram: Por que fazeis o que não é lícito fazer nos sábados? 3 E Jesus, respondendo-lhes, disse: Nunca lestes o que fez Davi quando teve fome, ele e os que com ele estavam? 4 Como entrou na casa de Deus, e tomou os pães da proposição, e os comeu, e deu também aos que estavam com ele, os quais não é lícito comer senão só aos sacerdotes? 5 E dizia-lhes: O Filho do homem é Senhor até do sábado" (Lucas 6.1-5). E também se declara Senhor de tudo - do sábado inclusive.

Aqueles que se tornaram seus inimigos, devido ao espirito de legalismo de que eram possuídos, discutiam entre si a pessoa singular de Jesus: "Então alguns dos fariseus diziam: Este homem não é de Deus, pois não guarda o sábado. Diziam outros: Como pode um homem pecador fazer tais sinais? E havia dissensão entre eles" (João 9:16). Havia confusão entre eles mesmos.

Portanto, era as duas principais razões pelas quais os líderes religiosos arquitetavam a sua morte: "Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não só quebrantava o sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus" (João 5:18).

E triste ver até onde pode chegar um radicalismo eivado de preconceito e fanatismo. Na verdade, quando aquilo que a lei se propõe a transmitir - o amor, a misericórdia e a fé - é sufocado; em seu lugar cresce um sentimento religioso despido do "sentimento de Cristo". Não há como viver segundo a vontade de Deus sem espiritualidade; ou, sem a presença do Espírito Santo na vida.

Antes de concluir esta mensagem, deixo o texto abaixo como fonte de consulta - para que se saiba que todos os homens estão debaixo do pecado; e que a justificação só é possível pela fé em Jesus Cristo, não pelas obras da lei:

"9 Pois quê? Somos nós mais excelentes? De maneira nenhuma, pois já dantes demonstramos que, tanto judeus como gregos, todos estão debaixo do pecado; 10 Como está escrito: Não há um justo, nem um sequer. 11 Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que busque a Deus. 12 Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só. 13 A sua garganta é um sepulcro aberto; Com as suas línguas tratam enganosamente; Peçonha de áspides está debaixo de seus lábios; 14 Cuja boca está cheia de maldição e amargura. 15 Os seus pés são ligeiros para derramar sangue. 16 Em seus caminhos há destruição e miséria; 17 E não conheceram o caminho da paz. 18 Não há temor de Deus diante de seus olhos. 19 Ora, nós sabemos que tudo o que a lei diz, aos que estão debaixo da lei o diz, para que toda a boca esteja fechada e todo o mundo seja condenável diante de Deus. 20 Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado. 21 Mas agora se manifestou sem a lei a justiça de Deus, tendo o testemunho da lei e dos profetas; 22 Isto é, a justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo para todos e sobre todos os que crêem; porque não há diferença"
(Romanos 3.9-22).

Cordialmente;
Bispo Calegari

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